sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Na carteira

Escondo meu preconceito no bolso detrás do jeans, dentro da carteira. Eu sempre tento escondê-lo ainda mais, mas todas as vezes que abro a carteira para pegar a grana do almoço, da gasolina ou da trufa da sobremesa ele está lá, saltando aos olhos, fazendo questão de me lembrar que ele está ali; quase um amuleto, quase uma etiqueta. Meu preconceito é grande. Às vezes ele faz tanto volume na carteira, que quase não consigo fechá-la. Aí tenho que pôr no bolso da frente da calça, que é mais largo e fundo. Isso quando eu não o derrubo no chão e ele sai rolando, como faz uma moeda de cinco centavos quando mais precisamos dela.

Meu preconceito, quando fica à mostra assim, me deixa super constrangido - seja na frente do flanelinha que se oferece para limpar o para-brisa, do pedinte que bate na porta, do rapaz negro que me olha do outro lado da calçada na rua deserta, ou daquele amigo que é assumidaço (só estes para não me alongar muito) - porque todo mundo fica me olhando lá, meio curvado, correndo atrás dele para devolvê-lo ao bolso enquanto ele teima em rolar. Como se ninguém mais tivesse um igualzinho na carteira, na bolsa, no porta-luvas etc. Aí tem sempre aquela fã das novelas do Manoel Carlos, que cutucando a colega do lado, diz: 'Olha só, aquele rapaz derrubou o preconceito no chão. Como é que ele pode fazer isso. Expor o preconceito dele assim, no meio de todos nós? Que horror, meu Deus!'. Sendo que mais tarde, ela vai verificar se o dela está seguro o suficiente para não cair no chão também.

Há quem diga que nunca teve ou não tem nenhum tiquinho de preconceito. Eu não teria tanta convicção, porque um dia achei que ser guei já era motivo suficiente para saber que ter preconceito é demodê. Mas não é que outro dia encontrei-o escondidinho na caixinha de tralhas que tenho na mesa do computador? Por isso é que guardei na carteira, pra ele não ficar jogado daquele jeito e alguém descobrir que o possuía. Desde então não consigo mais me desgrudar dele. Até já quis que me roubassem a carteira; seria até um favor. Mas não consegui que me fizessem isso. Acho que não deixei a carteira exposta o suficiente...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Tá valendo


A única coisa que vi antes de sentir o puxão no braço e a sua língua invadindo minha boca foi o casaco vermelho. Não era uma noite fria. Era uma noite típicamente chuvosa de uma cidade litorânea peqena no Nordeste do Brasil; onde as pessoas usam cachecol e casacos de lã quando faz, sei lá, 20 graus de muito frio.

Pra mim, de boas, afinal de contas as duas investidas naquela noite não haviam dado certo: o primeiro apenas exibiu sorrisinhos ensaiados e, dançando de forma descompassada, ensaiou uma aproximação que me distanciou; o segundo, do grupo de gueis em que eu me incluía, pediu-me desculpas e, embora não pudesse dizer nunca, nossa amizade não poderia partir para algo mais, digamos, intenso, naquele momento.

E ele me beijava. Comprimia meu corpo de uma maneira que queria confirmar se eu já havia me excitado - como se isso fosse tão fácil para mim (não que eu nao me excite, obviamente, mas não como a maioria das pessoas). Eu só pensava que, se não tinha visto o quão feio ele era, pelo menos ele não tinha mau hálito, então ainda tava valendo.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Eu preciso ser mais guei


Eu preciso ser mais guei. Cheguei a esta conclusão há alguns dias, quando me vi no espelho antes de sair - mais uma vez atrasado - para o trabalho. Não sei se foi o cabelo grande demais, a barba por fazer ou meu perfume que havia acabado. Mas eu senti que não estou sendo muito guei ultimamente. Às vezes penso que é a voz ou o jeito de falar que não me denunciam; talvez o jeito de me vestir.

Eu sei, eu sei que só entender de moda não ajuda muito. Sair de casa sem photoshop também é ruim. Eu nunca reparei no modo como me sento naquele café do shopping - onde todo mundo vai pra ser visto - como atendo ao telefone ou mesmo como seguro o copo de vodka.

Também não me vejo, como alguns gueis, nas matérias das revistas de comportamento ou mesmo naquele seriado de TV. Sabe-se lá o porquê, jornais e revistas falam de uma homossexualidade que não é a minha, nem a sua ou daquele seu vizinho que sua mãe sempre criticava. É uma pseudo-homossexualidade, digamos. Não sei como se vive sendo um pseudo-guei. Não sei se ser 100% homossexual é uma coisa boa nos dias de hoje. Não sei, não sei, tenho muitas dúvidas quanto a isso. Meu maior medo, confesso, é, por causa dessas dúvidas, ficar com a homossexualidade defasada, desatualizada, e, por deixarem de acreditar na minha homossexualidade, deixarem de acreditar em mim.

 A partir de hoje, acredito eu, precisarei aferir minha homossexualidade diariamente. Medir com régua ou trena e fazer um gráfico, para acompanhar como vai ser minha evolução e quando atingirei a plenitude homossexual.